domingo, maio 19, 2019

HISTÓRIA DE ARARIPINA: A COOPERATIVA

1. - A Fundação da Cooperativa.
2. – Histórias da Cooperativa


Da esquerda para a direita: Valdemir Soares, Funcionário do DAC, Suetone Alencar, Costa Porto, Seu Né, Dr. Araújo, Motorista do DAC, Seu Gonzaga.

1. - A FUNDAÇÃO DA COOPERATIVA. No final da década de 30, surgiu o movimento cooperativista no Brasil. O entusiasmo contaminou os governos estaduais e se disseminou pelos municípios brasileiros. Era a esperança de redenção da pátria e de soerguimento econômico de Pernambuco, conforme ressaltavam os jornais da época.

Foi a grande alavanca de soerguimento das nações, hoje as mais prósperas e as mais poderosas. Em Pernambuco criou-se o Departamento de Assistência às Cooperativas (D.A.C.), vinculado à Secretaria de Agricultura. O DAC foi entregue ao Dr. Costa Porto, que o dirigiu até 1945.

Cooperativa Agropecuária de São Gonçalo foi fundada em 03 de setembro de 1939, por Joaquim Modesto, Pe. Luiz Gonzaga, Manoel Ramos de Barros, Dr. José Araújo Lima, Francisco da Rosa Muniz, Major Quincó, Nilo Arraes, Senhor Bringel, Francisco Carlos Muniz, Hermógenes Granja Muniz, entre outros. Logo se iniciou a construção do prédio, num arrojado empreendimento para a época e para as condições locais. Dois amplos prédios, com uma área de 1.300m², grande silo de madeira (caixão), com capacidade para armazenar 8.000 sacos de farinhas e outros produtos agrícolas.

Para gerenciar a Cooperativa, Joaquim Modesto trouxe de Salgueiro o jovem Suetone Alencar, moço de seus 20 anos, mas de inteligência e capacidade invulgares. Logo nos primeiros anos de existência, graças ao descortino administrativo de seu Gerente, a Cooperativa tomou uma dimensão extraordinária, tornando-se modelo da região.

O prédio da Cooperativa foi inaugurado no dia 23 de julho de 1944, com a presença do Secretário de Agricultura, Gercino de Pontes e do Dr. Costa Porto, Diretor do DAC, que escreveram nos jornais de Recife suas impressões sobre a Cooperativa, com lisonjeiras referências á atuação dos araripinenses no movimento cooperativista (1).

No Livro de Visita da Cooperativa, há o seguinte registro de Costa de Porto: “Cooperativismo não é problema de negócio; é problema de fé (conceito de Frola). Vejo simpatia e entusiasmo que a Cooperativa de São Gonçalo compreendeu o sentido renovador de nosso movimento. O que antes de mais nada (antes de qualquer coisa), houve em Araripina homens empolgados pelo ideal de cooperação”.

A Cooperativa cresceu, graças ao esforço conjunto de suas administrações e de seus associados, assegurando um franco desenvolvimento ao setor agropecuário da região. Superadas as dificuldades políticas de logo após a redemocratização do país, em 1945, a Cooperativa retomou o seu rumo e hoje é um dos mais respeitados estabelecimentos de assistência ao agricultor de toda a região.

Segunda as declarações de seu gerente, Alexandre Luiz Pereira Arraes, a Cooperativa de Araripina será um dos suportes para a recuperação dos alicerces dos sertanejos que tiveram suas lavouras frustradas por 5 anos de seca e destruídas com as recentes chuvas.

No ano de 1984, a Cooperativa apresentou um faturamento superior a 110 milhões de cruzeiros, com o setor de revenda de insumos e, com a venda de gêneros de primeira necessidade, atingiu o montante de 25 milhões de cruzeiros. Foi firmado um convênio com o Polonordeste, para a comercialização do sorgo e do milho. Propiciou sobras à disposição da Assembleia Geral superior a 18 milhões de cruzeiros e o FATES (Fundo de Assistência Técnica Educacional e Social) alcançou o montante de 12 milhões de cruzeiros.

Tudo isso demonstra o empenho da administração da Cooperativa, em gerir com seriedade os seus negócios, prestando relevantes serviços aos seus associados e à economia do Município e da região. “Com trabalho, coragem e reivindicação, conseguimos suplantar as adversidades e partir para melhorar a saúde financeira da Cooperativa”, diz o seu presidente, José Arruda Jacó (2).

2. HISTÓRIAS DA COOPERATIVA. Lembro-me da construção da Cooperativa. Toda a madeira nela utilizada foi tirada da Boca da Mata. Deliciava-me com o ver a queda das baraúnas, das aroeiras, das maçarandubas, dos angicos, na mata virgem do Baixio. Os golpes afiados dos machados de Cícero e de Senhor ressoavam ao longe, quebrando a resistência daquelas grandes árvores que tombavam lentamente na mata escura. As linhas eram lavradas no local da derrubada. Postas no carretão, eram arrastadas pela ponta e por uma junta de bois pelas veredas sinuosas do Baixio e pelas estradas pedregosas da Boca da Mata, até a Cooperativa.
O monte de areia encostada ao muro era o local de reunião da meninada, nas noites de lua, para as brincadeiras do salto mortal, da bundacanastra, do salto à distância e das lutas corporais. Não havia perigo de acidente. A areia era fofa e as quedas não machucavam. Quando o sino da igrejinha “dava nove horas”, a meninada vestia a camisa, calçava as alpercatas e se recolhia. O cuidado era não chegar em casa com sinais de que estava brincando na areia da Cooperativa, porque se não, era uma pisa na certa.
Além de servir à sua destinação específica, com os setores da administração, dos silos, do caixão de farinha, dos equipamentos agrícolas, a Cooperativa prestava-se também a outras finalidades. Em um de seus salões, realizavam-se os bailes, nos dias de grandes festas. Por vários anos, abrigou o motor de luz. Serviu também de cinema. Foi por causa da Cooperativa que ocorreu a maior e mais célebre querela político-partidária da história de Araripina.

Foi na Cooperativa que, no dia 14 de maio e 1950, J.M. achou por bem fechar o Cine Iracema que lá funcionava, de propriedade de Elísio Jaques Coelho (Elísio de Seu Dino). De revólver em punho, mandou que os presentes se retirassem, porque queria assistir sozinho a fita Amantes em Fuga”. A peripécia de JM tirou o sossego daquele fim de domingo araripinense. As autoridades locais, todas presentes na Cidade, recolheram-se aos seus aposentos, nada viram, nem ouviram. Dele só tomaram conhecimento no outro dia. A retirada de JM do cinema, ao final da fita, ficou ao cargo de parentes e amigos, Joaquim Modesto Primo, João Lira, Chico Cícero, Tia Pequenina e Geraldo Lacerda. Elísio só tomou o susto, pois JM pagou uma entrada de Cr$ 300,00(trezentos cruzeiros), a lotação do cinema, quantia da qual deu quitação plena, geral e irrevogável, para mais nada reclamar, em juízo ou fora dele.

No outro dia, quando o Juiz tomou conhecimento do fato, baixou uma portaria instaurando o inquérito, que foi acompanhado pelo Promotor. Nesse mesmo dia, concluído o inquérito, o Promotor ofereceu denúncia, enquadrando JM no art. 202 do Código Penal, “invasão de estabelecimento comercial, industrial ou agrícola e sabotagem”. Dos termos da denúncia, surgiu uma querela jurídica entre o Juiz e o Promotor. Respeitada a redação original, continha a denúncia em certo trecho:

“outrossim em não sendo, no caso “sub-júdice”, o crime capitulado no art. 202 do Código Penal em vigor, um crime cuja infração, se torne, de logo, obrigatório, por não ser fatal, um requerimento do órgão da Justiça Pública, no sentido de decretação de uma medida preventiva, qual seja, PRISÃO PREVENTIVA, ou mesmo, ao que parece, de antemão, de ofício, pelo juiz processante; contudo, a Justiça Pública deixa requerer, para sugerir, contrariando, assim, o capitulado na legislação em vigor, e, tão somente, face ao que consta nos termos das declarações de fls., devidamente analisados, data vênia, a conveniência de ser decretada a prisão preventiva, do ora denunciado – JM. Araripina, 16 de maio de 1950. Dr. H.A.L – Promotor”.

A boa origem familiar do acusado e a sua respeitada fama pessoal exigiam muita cautela na interpretação da lei. Grave era a responsabilidade do promotor, em requerer a prisão preventiva do acusado. Por via das dúvidas, “nem sim nem não, antes pelo contrário”. O juiz era quem decidia. Este, por sua vez, nem assoprou a batata quente. Devolveu os autos incontinenti ao promotor, com este despacho:

“Voltem aos autos ao Dr. Promotor, para que S.S. diga explicitamente se requer ou não a prisão preventiva de JM. Como é evidente, o ilustre Representante da Sociedade, parece que não analisou bem o conteúdo do art. 311 do Código de Processo Penal Brasileiro.

Efetivamente, o juiz pode decretar, de ofício, a prisão preventiva, todavia, segundo as disposições do citado art. 311, o Promotor pode, também, requerê-la e, nesta hipótese, isto é, quando a mesma é pedida pelo Ministério Público, o requerimento tem de ser categoricamente explícito, ou melhor, claríssimo como água cristalina.

Segundo a moderna processualística e a jurisprudência incontroversa a respeito, os requerimentos ministrados pelo M.P. têm de ser revestido de clareza meridiana, não podendo, portanto, serem dúbios, maleáveis, etc., etc.
O M.P. não pode sugerir, e sim, requerer. Assim, é necessário que S.S. se pronuncie, definitivamente, quanto à decretação ou não da prisão preventiva em foco. Araripina, 16 de maio de 1950. NPA – Juiz de Direito”.

Ora, ora, sim senhor! Que Promotor é esse que não tem a coragem de requerer a prisão preventiva de um JM? – deve ter pensado o juiz com os pratos de sua balança.

No dia imediato, 17.05.50, já estava nos autos a resposta do Promotor, que mesmo diante das estocadas do Juiz, nem requereu, nem deixou de requerer a prisão preventiva de JM. Justificou sua posição:

“Isto porque, como é sabido, a nossa processualística penal vigente, admite a cômoda divisão de aplicação das medidas preventivas em dois tipos: 1.º) os casos de decretação compulsória; 2.º) os casos de livre apreciação. Nestas condições, a Justiça Pública se inclinou para o primeiro, por ser mais lógico ou melhor, consentâneo com a realidade do crime em face da lei”.

A essa altura da contenda jurídico-processualística, chegara à Araripina o Diário Oficial do Estado, do dia 10 de maio. Foi a tábua de salvação dos litigantes. Trazia o jornal o ato de exoneração do Promotor. A solução foi de pronto encontrada. O Juiz tornou “insubsistente a denúncia”, porque (felizmente) o promotor fora dispensado de suas funções.

Outra denúncia foi apresentada pelo novo Promotor, sem os atropelos da infame prisão preventiva e o Dr. Benedito Sitônio Julgou o processo, no dia 22 de outubro de 1954, absolvendo JM (3).

Esse não foi o primeiro caso que se deu, envolvendo a Cooperativa. Finalmente, a Cooperativa, aí, foi apenas o local onde ocorreu o fato. Um precedente de maior gravidade verificou-se por causa da Cooperativa. É o seguinte.

Até 1945, a Cooperativa atuava com a harmonia de seus administradores e a colaboração dos associados. Todos em perfeita sintonia com a causa cooperativista. A criação dos partidos políticos, naquele ano, porém, veio quebrar essa harmoniosa convivência. A direção da Cooperativa estava nas mãos de elementos que formava a UDN local. Mas como a política partidária não tivesse influenciado nos negócios da Cooperativa, a tolerância do pessoal do PSD era razoável. Com efeito, Suetone Alencar apesar de udenista, gozava de elevado conceito perante a sociedade araripinense e sua irrepreensível conduta à frente da Cooperativa, não desmerecia a confiança mesmo de seus adversários.

Com as eleições de 1947, a política partidária começou a se imiscuir nos negócios da Cooperativa. O trabalho de retomada da Cooperativa pelos pessedistas durou mais de um ano, vindo a se concretizar no começo do ano de 1949. Em Assembleia Geral Ordinária, a então Diretoria foi destituída por 95 votos a 10, assumindo a presidência da Cooperativa Joaquim Modesto, que era vereador.

Na reunião da Câmara Municipal, de 18 de maio de 1949, o vereador Nilo Arraes, da UDN, fez um discurso, onde se referiu ao caso da Cooperativa. A requerimento do vereador Francisco Jeú de Andrade, do PSD, esse discurso foi transcrito no Livro de Atas. Joaquim Modesto estava ausente da sessão (4).

Por ocasião de uma Assembleia Geral Extraordinária da Cooperativa, Joaquim Modesto profere um discurso para os associados presentes, no qual relata a situação da entidade. Lança acusações à Diretoria anterior, relativamente aos empréstimos; critica o descaso da cobrança de títulos; denuncia empréstimos irregulares e aponta casos de malversação do dinheiro da Cooperativa (5).

Ao voltar à Câmara Municipal, tomou conhecimento do discurso de Nilo Arraes e, na sessão do dia 14 de julho, respondeu àquele discurso, censurando os termos do pronunciamento de seu opositor, taxando (tachando) a linguagem do orador de grosseira, insultante e agressiva e atribuindo a autoria do discurso a terceiro: “Tal expressão diz bem do espírito ofensivo de quem a escreveu e da falta de cavalheirismo de quem a pronunciou” (6).

Aqui, Joaquim Modesto comete duas injustiças: em primeiro lugar, a transcrição do discurso de Nilo Arraes na Ata não foi ato de sadismo do presidente da Câmara, Valdomiro Alencar, mas resultou de requerimento de um seu correligionário, Francisco Jeú de Andrade; depois, parece que Joaquim Modesto não leu o discurso de Nilo, deixando-se levar pelos fuxicos. Se Nilo pensou ou disse tais grosserias, não passou para o papel.

Nilo Arraes dá, então, uma entrevista ao Jornal Pequeno do Recife, que tem o título de “Resposta a um embusteiro”, e assim termina: “Se tudo o que acima foi dito, fosse dirigido a um cidadão, a um homem normal, a uma criatura que se sentisse, de certo que iria causar abalos tremendos...Mas, dirigido a Joaquim Modesto, é mesmo que passar manteiga em focinho de gato” (7).

Pescadores de águas turvas, num gesto incendiário tiveram a infeliz ideia de levar grande quantidade desse jornal para Araripina, a fim de ser distribuído na Cidade. Havia alguém interessado em tocar fogo no circo. Não era Nilo, nem seu Miro. Era alguém que “chegado de outras paisagens, aqui vive disfarçado entre o pacato e ordeiro povo desta terra”. Em conversa com Joaquim Modesto, em princípios do ano de 1959, no Hotel Avenida, aqui em Recife, declinou ele o nome dessa pessoa. Senti a amargura do seu silêncio, que a conveniência familiar lhe impunha. Interessante é que ele não guardava ódio ou rancor de seus ferrenhos adversários.

O resultado dessa inglória luta pelo poder pode ser resumido nos termos da denúncia oferecida contra JM e TMF, no processo crime que contra os mesmos foi instaurado (8).

Felizmente, o caso não deixou sequelas no seio da família araripinense. Continuaram as intrigas pessoais, as divergências políticas, mas o fato, embora lamentável, serviu de exemplo para mostrar que, em Araripina, suas famílias não têm vocação para o banditismo. Mesmo assim, foi um preço muito caro que se pagou pela tranquilidade, pela paz e pela harmonia da família araripinense.

NOTA

(1)     – <<Através do Sertão II>>. Costa Porto. Folha da Manhã, ed. de 06.08.44, pág. 2. <<Cooperativismo no Sertão>>. Gercino de Pontes. Folha da Manhã, ed. de 08.08.44, pág. 3.
(2)      - Diário de Pernambuco. Ed. de 10.05.85
(3)      - Processo n.º 683/50. Cartório de Araripina.
(4)      - Ata de Sexta Reunião da 2ª. Sessão Ordinária da 1ª. Legislatura da Câmara Municipal de Araripina, em 18 de maio de 1949. Livro de Atas, fls. 56 a 58v.
(5)     – Folha da Manhã. Ed. 14.07.49, pág. 7.
(6)     - Folha da Manhã. Ed. 26.07.49, pág. 11.
(7)      - Jornal Pequeno. Ed. de 10.08.49.
(8)      - Processo n.º 651/49. Cartório de Araripina.

Fragmentos do Livro – Araripina, História, Fatos & Reminiscências
De Francisco Muniz Arraes

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